segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Baleia Comum - Pico



Às 8:00h olho pela janela e vejo a montanha do Pico totalmente descoberta, sem uma única nuvem. O mar está calmo e nem uma aragem o agita. Tudo parece perfeito de mais para o início de Maio, ainda por cima depois do dia ventoso da véspera. A única explicação para este cenário idílico é a aproximação de um Anticiclone o “dos Açores”.
Chego à Base de Observação de Cetáceos dos Açores (B.O.C.A.) – Espaço Talassa às 8:30h, ansioso para ouvir as notícias via radio da vigia da Queimada. As novidades não são entusiasmantes para quem quer ver o maior animal do planeta, a grande baleia azul. Apenas há a certeza da presença de “miudezas”, isto é, golfinhos. Não é mau, para quem gosta de animais, mas os meus objectivos estavam num nível bem superior.
Já no mar, somos informados de que andam baleias de barbas bem por fora de S. Mateus. Rumamos para Oeste e ao fim de alguns minutos começamos a ver os primeiros bufos. A silhueta das duas baleias é escura e grande, só nos resta saber a que espécie pertencem. Assim, de longe, podem ser de várias espécies, mas, infelizmente, nenhuma delas corresponde à da baleia azul. Mais perto, confirmo que são duas baleias comuns que nadam rumo ao mar aberto a grande velocidade.
Há mais barcos na zona, o que nos obriga a partilhar a proximidade com estes mamíferos marinhos de uma forma mais reservada. Momentos que aproveitamos para analisar o rumo dos animais, a velocidade e o tempo de mergulho, entre outros pormenores importantes para programar a nossa aproximação.
Visto o fato de neoprene, pois acredito que um encontro subaquático poderá ser possível a qualquer momento.
Ao final da manhã ficamos sós. O mar continua “morto”, não há vento, o céu mantém-se azul, a ilha montanha permanece totalmente descoberta e o nosso maior aliado, o sol, continua a brilhar. Calço as barbatanas, verifico mais uma vez os parâmetros da câmara fotográfica e espero pelas ordens do meu skipper, o João Quaresma. O par de baleias emerge várias vezes à superfície, o tempo vai passando, arqueiam o dorso e mergulham para o fundo mais uma vez. Até que… uma enorme cabeça irrompe do azul. Um bufo gigantesco projecta uma coluna de gotas de água a mais de cinco metros de altura e o som forte, pfffuuuuu!, que acompanha o ritual, enche-nos de adrenalina.
A finback, como é conhecida pelos pescadores do atum, vem na nossa direcção. Desta vez tudo se conjuga: o barco pára e entro dentro de água sem movimentos bruscos. A água fria quase me paraliza, está provavelmente a 15-16ºC. A visibilidade ronda os 12 metros, mas a água parece estar baça. Ou me consigo aproximar da baleia, ou as imagens não terão grande definição. Ao longe, no limiar da visibilidade, vejo evoluir uma silhueta clara. É o meu tímido modelo fotográfico que passa mais longe do que o aceitável. Apesar de tudo, faço uma fotografia, é como um cumprimento, um piscar de olhos e um sussurro como quem diz até já…
Regresso ao barco, contente por ter visto aquele animal debaixo de água e comento com o João Quaresma: “Está tudo óptimo, a luz, a visibilidade é aceitável, a câmara fotográfica funciona, a tranquilidade do animal, só uma coisa irá fazer a diferença: uns segundos de sorte”. Uma situação que me faz lembrar a opção do voo de um guarda -redes no momento da marcação de uma grande penalidade. Se eu nadar para um lado e a baleia optar pela mesma direcção tudo se pode conjugar num momento único. E começo a acreditar seriamente que tal será possível. Visto mais uma peça do fato de mergulho para entrar confortavelmente nesta água fria.
Depois de alguns mergulhos de cerca de 6 minutos, uma das baleias aparece de novo à tona. Está tão calma que praticamente pára à superfície. A mais de 50 metros da baleia, paramos também nós o barco e espero sentado no flutuador com as barbatanas dentro de água. O grande roqual não altera o rumo e nada na nossa direcção. Os segundos parecem minutos. Está já muito próxima. Deixo-me cair na água e nado em direcção à ilha do Pico sempre a olhar para o local onde poderá aparecer a silhueta. Aqui, a água está mais cristalina e o azul tem outro tom. No meu horizonte visual distingo bem a cor branco marfim do lábio inferior do lado direito da baleia. Parece que o mamífero marinho não me vê, mas talvez pressinta a minha presença. Desliza a 2 metros da superfície, de barbatanas peitorais abertas. Se tudo se mantiver, este encontro será, certamente, o melhor de todos.
Mantenho-me imóvel à superfície e faço figas para que a baleia vire para a minha direita. A dez metros o gigante vê-me, muda de rumo para a direita e parece iniciar uma travagem quase impossível. Adorna para a sua esquerda como que a querer ver-me, olhos nos olhos. Finalmente, estou cara a cara com o segundo maior animal do planeta. Os seus 20 metros e 70 toneladas quase páram a cerca de cinco metros da minha objectiva. Tudo está perfeito. Pelo visor da câmara fotográfica quase só vejo a cabeça da baleia, o olho bem aberto, as pregas do pescoço, os parasitas atrás da barbatana peitoral, que mais parecem cobras presas ao dorso.
Capto imagens o mais depressa que posso, pois é um encontro único, que certamente não terei oportunidade de repetir muito mais vezes na vida. Depois da troca de olhares, a baleia recolhe a barbatana peitoral e passa por mim. Continuo a fotografar. Volta a “abrir as asas”, as grandes barbatanas peitorais e deixa-se simplesmente deslizar a poucos metros da superfície até se fundir lentamente no azul do mar açoriano.
Acabo de ter os meus 40 segundos de sorte a 20 milhas da ilha do Pico. Um dos momentos subaquáticos mais emocionantes e tranquilos, de todos os que colecciono com os grandes mamíferos marinhos.

2 comentários:

Estevão disse...

Belo blogue home! Boas estórias, fotos e desenhos.

garina do mar disse...

muito bem!! tens jeito para as descrições... de resto já conhecia uma ;)